HOJE SOU FRONTEIRA
uma exposição de Sonia Távora
A experiência do confinamento ainda é uma presença forte em nossas vidas e uma realidade que podevoltar a acontecer a qualquer momento já que ainda estamos na pandemia de COVID 19. De dentro de casa fomos levadxs a reinventar nossos mundos, nossas tarefas diárias, nossas expectativas sobre o futuro. Tivemos que redimensionar o espaço, a maneira que circulamos, os caminhos por onde andamos. O enfrentamento dessas semanas de incertezas deu-se de muitas formas, cada pessoa tem histórias para contar. Sonia Tavora voltou a pintar depois de mais de 15 anos. Sua formação emarquitetura acabou levando-a a criar intervenções em espaços públicos e nos espaços expositivos onde expôs em paralelo à experimentação com gravura e fotografia. Porém no primeiro lockdown as pinturas retornaram à rotina de produção da artista. Começaram a surgir pinturas em grande formato de horizontes enquadrados por grades, entendidas tanto como grid (emblema do Modernismo) como cárcere.
A pintura já foi a janela do mundo entre o Renascimento e o Neoclassicismo europeus e voltar a ser ventana de onde vemos o mundo pandêmico parece fazer sentido num contexto de abrupta virada digital e de impedimento do fluxo de circulação. Portas e janelas são presença recorrente no trabalho de Sonia, mas essas mais recentes trazem o elemento da construção de perspectiva não apenas como recurso de ilusão de espaço, mas como metáfora de superação, possibilidade e esperança. Pintar febrilmente horizontes também é uma afirmação do desejo de porvir. As janelas e paisagens produzidas na série Hoje sou Fronteira não são idênticas, há variações da estrutura, do tamanho e das cores, o que nos passa uma sensação de movimento e de passagem do tempo. Este trabalho é, portanto, uma espécie de diário da pandemia. As frases escritas em algumas telas reforçam esse caráter: “Hoje tem mais saudades”, “enxugar lágrimas faz falta” e “hoje é mais presente”.
A pintura não termina nas bordas do quadro. Ela continua nas fitas que demarcam as linhas das grades e que recebem as camadas de tintas aplicadas na tela. Suas inscrições no espaço da galeria criam novos horizontes e espacialidades, como meridianos e paralelos. Horizontes são linhas imaginárias e muitas das fronteiras subjetivas e territoriais também. Ao deslocar o elemento que estrutura a imagem para a parede, a artista ressignifica tempo e espaço amplificando a discussão das demarcações, limites e imigração. Tijolos de terra acrescentam outras palavras estruturantes do trabalho: desejo, sonho e afeto. O grande painelpintado especialmente para a exposição representa um crepúsculo luminoso, a fonte de emissão das fitas/linhas. É com essa luz que desejamos adentrar o segundo inverno pandêmico. Se hoje somos fronteiras, podemos ser pontes no futuro.
Cristiana Tejo